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TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR

A Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor tem origem tupiniquim e foi criada pelo advogado Marcos Dessaune, defendendo que constitui ato ilícito passível de indenização todo tempo desperdiçado pelo consumidor para a solução de problemas gerados por maus fornecedores.

O tema possui bastante relevância social e jurídica, principalmente diante da reiterada prática de abusos por alguns fornecedores, que ao fornecerem um produto ou prestarem um serviço para o consumidor, na hipótese de um defeito, um dano ou mesmo de um simples contratempo, infligem uma cadeia de violações a direitos garantidos aos consumidores, visto que se negam a dar uma solução, ou até mesmo uma negativa de solução, em tempo razoável.

Diante dessas práticas, vem sendo considerado pelas nossas cortes como indenizáveis o tempo perdido e os aborrecimentos sofridos pelo consumidor na tentativa de solucionar problemas, fatos que ultrapassam a definição de “mero aborrecimento ou mero dissabor”.

Assim, se configura relevante à proteção dos direitos do consumidor à luz da Carta Magna, com o intuito de observar as leis dispostas no seu ordenamento jurídico.

Além disso, a Constituição Federal consagrou o princípio da dignidade da pessoa humana como direito fundamental, o qual se enquadrou como um dos seus valores máximos, servindo assim, de amparo para a sociedade e Estado, garantindo uma segurança jurídica, ao assegurar que todos os cidadãos possuem direito a uma vida digna, de forma ampla, irrenunciável e inalienável, pois decorre da existência do próprio indivíduo.

Portanto, a qualquer cidadão, assegura-se uma vida digna, protegendo este direito interna e internacionalmente contra possíveis violações, além da ampla reparação em caso de violação desse direito.

E, no caso de a ofensa ocorrer em uma relação típica de consumo, a vulnerabilidade da pessoa será presumida, já que existe uma desigualdade entre as partes, sendo legalmente considerando o consumidor o lado mais fraco da relação, hipossuficiente, necessitando de um resguardo legal que faça compensar essa desproporcionalidade fática. Essa condição foi reequilibrada com o advento do Código de Defesa do Consumidor.

Infelizmente é mais comum do que se imagina as práticas delituosas causadas pelos fornecedores, que com o decorrer do tempo se tornaram mais recorrentes e abusivas, não se responsabilizando pelos danos ocasionados aos consumidores, sendo necessária a interferência do Estado para reger essas relações de consumo de forma justa e lícita.

Diante disso, surge a Responsabilidade Civil sob a ótica Código de Defesa dos Consumidores, com a finalidade de analisar a responsabilização do fornecedor sobre a prestação do produto e serviço nas relações de consumo, buscando, também, coibir essas ações reiteradas causadas no dia a dia do consumidor.

 Todo consumidor possui o direito a prevenção e a reparação de seus direitos materiais e morais violados nas relações de consumo, pois este não está obrigado a resolver conflitos causados pelos fornecedores, muito menos, se submeter a perca do seu tempo, do seu lazer, do seu trabalho, de sua vida no todo em decorrência da falta de assistência do produto ou serviço com defeito ou vício.

Vale ressaltar, que a prevenção e reparação dos danos correspondem também sobre os direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos. Então, a Lei visa a prevenir a partir da determinação da tutela do consumidor de agir em juízo contra os fornecedores caso venha a ocorrer algum dano ou para evitá-lo e a reparação efetiva quando de fato se configurar o dano concreto.

Assim, o Código de Defesa do Consumidor prevê a responsabilização objetiva do fornecedor em caso de vício do produto e do serviço, bastando tão somente a prova do dano e do nexo entre o dano e o ilícito para justificar a responsabilização, independente de culpa, cabendo ao fornecedor a prova de que não praticou ato ilícito. Igualmente deverá reparar os danos decorrentes da má prestação de serviços ou quando não houver prestado informações adequadas ou estas forem insuficientes para a utilização do consumidor, hipótese prevista no artigo 6º do CDC.

Portanto, a legislação brasileira deixou clara a importância da prevenção e da reparação dos consumidores nos casos de violação aos seus direitos garantidos, assegurando sua proteção, ficando consolidado o entendimento de que o consumidor é parte vulnerável. Compreendido este esboço geral, poderemos entender quando ocorre o desvio produtivo.

A tese em comento busca proteger o tempo perdido pelo consumidor ao tentar resolver conflitos ocasionados pelos fornecedores, quando estes não se interessam em resolver de forma rápida e justa a questão, muitas vezes, simples, procrastinando ao máximo com o objetivo de dificultar, inclinando o consumidor à desistência.

O autor da teoria, conceitua o desvio produtivo como sendo “um evento danoso induzido pelos fornecedores que, de modo abusivo, se eximem da sua responsabilidade pelos problemas de consumo que criam no mercado”. Essa omissão acarreta dano ao consumidor, sendo totalmente passível de indenização.

Uma vez evidenciada a hipótese da injusta perda do tempo útil pelo consumidor, nascerá o dever de indenizar e, consequentemente, a necessária indenização do consumidor. Não se pode olvidar que essa reparação também evitaria o enriquecimento ilícito e sem justificativa do fornecedor, que levaria vantagem ao não resolver ou postergar a resolução do problema do consumidor, por um conflito causado por ele mesmo, na prestação do produto ou serviço.

É importante observar que nem todas as situações acarretam a perda do tempo existencial do consumidor, em decorrência da vida em sociedade ser corrida. Mas, devem-se elencar os casos pontuais que extrapolam o tempo de um cidadão de modo a atrapalhar seus afazeres, desperdiçando o seu dia que seria produtivo, para resolver conflitos duradores causados pelos fornecedores.

Com a colocação dos produtos e serviços no mercado de má qualidade sem a devida solução do fornecedor, desencadeia a perca do tempo e uma série de sentimentos atordoadores nos consumidores, como a decepção, frustação, impotência, raiva, impunidade e afins, sendo submetido a circunstâncias de mau atendimento.

Isso geralmente ocorre quando os consumidores são direcionados ao Serviço de Atendimento ao Consumidor – SAC, e não encontram solução, às vezes nem mesmo um atendente, quiçá uma solução adequada para o problema. Neste caso, há se se lembrar que o artigo 8º do Decreto 6.523/2008 estabelece que o SAC deve-se pautar nos princípios da dignidade, boa-fé, transparência, eficiência, eficácia, celeridade e cordialidade.

Como aumento significante do comércio eletrônico, não só de produtos, mas também de serviços, passou o consumidor a ser alvo de diversas investidas dos fornecedores, sendo instigado a comprar através de propaganda publicitária, sem maiores informações, ou mesmo informações maliciosas, ocorrendo neste momento a hipótese de adesão ou aquisição de um produto ou serviço defeituoso, sem qualquer amparo do fornecedor.

Ora, o artigo 39, IV do CDC estabelece que configura como prática abusiva o fato do fornecedor “prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços”, ocorrendo, neste caso, a prática abusiva do fornecedor valer-se da fraqueza ou no dessaber do consumidor para obter vantagem da situação de vulnerabilidade, agindo de má-fé.

A Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor desenvolve a importância da “noção do tempo pessoal ou subjetivo como valor ou bem”, já que na atual sociedade o tempo se tornou precioso, sendo também um bem importante para a vida de um ser humano, podendo equipará-lo ao direito à vida, pois um depende do outro.  O tempo se tornou essencial à existência, um direito imensurável impossível de retornar ao seu status quo ante, restando apenas ao indivíduo usufruir o seu tempo vital e disponível.

Portanto, se o tempo é um recurso essencial para realização de atividades e sua escassez incentiva às pessoas há sempre quererem mais tempo, visando uma qualidade melhor de vida, considerando o tempo como um bem primordial e mais valioso que uma pessoa pode ter na sua vida, é justo que haja reparação por um dano causado pelo fornecedor que tolhe do consumidor seu precioso tempo. Se não lhe é mais possível indenizar-lhe na mesma medida, ou seja, conceder-lhe mais tempo, esta reparação deverá ser feita na forma pecuniária, com o fito de reparar, ou amenizar, o dano causado.

É nítido que as regras constitucionais que determinam a razoável duração de um processo, e as infraconstitucionais que asseguram ao consumidor atendimento rápido, eficaz e célere, garantem a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana, reconhecendo o valor jurídico do tempo e a proteção ao recurso produtivo de um cidadão.  Por isso é imperioso que se exija do fornecedor, para que não se configure sua responsabilidade civil sobre a perda do tempo livre do consumidor, a observância do dever jurídico de evitar a perda do tempo do consumidor.

E, como dito alhures, o desvio produtivo ocorre na perda do tempo útil do consumidor ao tentar solucionar os conflitos causados pela má prestação do produto ou serviço oferecido pelos fornecedores. Neste caso, não há de se falar em mero dissabor ou aborrecimento, mas sim, de um direito violado por práticas reincidentes.

A primeira menção à esta teoria em nossos Tribunais Superiores ocorreu no julgamento colegiado do REsp 1.634.851/RJ interposto pela Via Varejo, da 3ª Turma, sob a relatoria da ministra Nancy Andrighi, menciona o Desvio Produtivo do Consumidor para negar provimento ao recurso especial daquele fornecedor: "À frustração do consumidor de adquirir o bem com vício, não é razoável que se acrescente o desgaste para tentar resolver o problema ao qual ele não deu causa, o que, por certo, pode ser evitado – ou, ao menos, atenuado – se o próprio comerciante participar ativamente do processo de reparo, intermediando a relação entre consumidor e fabricante, inclusive porque, juntamente com este, tem o dever legal de garantir a adequação do produto oferecido ao consumo”, disse a ministra.

Em outro precedente do STJ, por meio de decisão monocrática do ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do AREsp 1.260.458/SP na 3ª Turma, conheceu do agravo para rejeitar o Recurso Especial do Banco Santander, reafirmando em sua decisão o fundamento do acórdão recorrido do TJSP que reconheceu, no caso concreto, a ocorrência de danos morais com base na Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor.

“Especialmente no Brasil é notório que incontáveis profissionais, empresas e o próprio Estado, em vez de atender ao cidadão consumidor em observância à sua missão, acabam fornecendo-lhe cotidianamente produtos e serviços defeituosos, ou exercendo práticas abusivas no mercado, contrariando a lei", diz o ministro Marco Aurélio Bellizze.

"Para evitar maiores prejuízos, o consumidor se vê então compelido a desperdiçar o seu valioso tempo e a desviar as suas custosas competências – de atividades como o trabalho, o estudo, o descanso, o lazer – para tentar resolver esses problemas de consumo, que o fornecedor tem o dever de não causar”, votou Bellize, em decisão monocrática.

Portanto, sendo de induvidosa importância o tempo na sociedade moderna, bem escasso diante da atual rotina da grande maioria dos indivíduos, estes passaram a prezar por seu tempo livre, o qual passou a ter imensurável valor.

A aplicação da teoria do desvio produtivo gera uma proteção aos consumidores, e, de certa forma, previne e repreende os abusos cometidos pelas grandes empresas, que violam reiteradamente os direitos dos consumidores por vício ou defeito no produto ou serviço prestado, emergindo o dever de indenizar, muitas vezes na forma de uma reparação pecuniária de um dano extrapatrimonial ou moral, para ressarcir o tempo perdido.

Portanto, evidente a aplicação prática da teoria do desvio produtivo do consumidor quando houver a perda do tempo produtivo do consumidor, por causar-lhe um dano moral irreparável e não retroativo, agindo como uma forma de prevenir e de repreender esses atos lesivos, por ferirem, frontalmente os direitos dos consumidores.